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Desafios da produção intensiva de bovinos de corte em pastagens

Sila Carneiro da Silva
Domicio do Nascimento Júnior
Denise Baptaglin Montagner

1. Introdução

A agricultura nacional tem apresentado um padrão de crescimento notável nos últimos anos, resultado de um cenário econômico e de mercado favoráveis e que tem permitido ao país alcançar patamares de produção e exportação nunca antes atingidos, conquistando novos mercados e aumentando sua competitividade. Nesse contexto, a pecuária tem exercido papel de destaque, razão pela qual interesse renovado e crescente tem sido observado acerca do desenvolvimento de tecnologias e uso de pastagens para a produção de produtos de origem animal, uma vez que nessas condições os preços são competitivos e a qualidade do produto elevada.

Produzir bovinos em pastagens de forma eficiente e competitiva requer conhecimento do processo produtivo, de conceitos de sistemas de produção, administração e gestão empresarial, fortemente sustentados pela compreensão e entendimento de respostas morfofisiológicas de plantas e animais a estratégias de pastejo. Este cenário da pecuária criou um novo perfil de demanda em termos de informação e conhecimento para que sistemas tecnicamente eficientes, ecologicamente corretos e economicamente viáveis pudessem ser idealizados e planejados, o que tem forçado a pesquisa a modernizar-se e preparar-se para atender de maneira satisfatória à nova realidade do país. Seguramente essa alteração de rumo e de paradigma da produção pecuária nacional é ainda pequena e pouco representativa na atual estrutura produtiva, mas certamente é irreversível e deverá ser implementada em pouco tempo de forma a profissionalizar o pecuarista e a agricultura brasileira.

O presente texto tem por objetivo apresentar e discutir aspectos relacionados com a produção animal em pastagens no Brasil, colocando em perspectiva o conhecimento e as informações existentes e procurando identificar desafios a serem vencidos para o crescimento e desenvolvimento tecnológico da pecuária nacional. Assume-se que o manejo do pastejo, ou seja, a colheita pelo animal da forragem produzida é etapa fundamental e condição predisponente para que discussões acerca do uso de corretivos e fertilizantes, irrigação, conservação de forragem e suplementação sejam implementadas com sucesso.

2. Histórico dos estudos com pastagens

Analisar as possibilidades e sugerir a melhor estratégia de manejo do pastejo para o Brasil é uma tarefa das mais difíceis, notadamente quando se considera a diversidade de ecossistemas de pastagens existente no País, variando desde os sistemas extremamente intensivos, praticados em pastagens monoespecíficas adubadas e irrigadas por pivô central, passando pelos sistemas menos intensivos praticados em pastagens cultivadas formadas com uma ou duas espécies forrageiras, até os sistemas extensivos em pastagens naturais dos Cerrados, do Pantanal e do Sul do Brasil. Certamente, não existe um conjunto único de variáveis que seja apropriado para definir métodos de pastejo para todos os nossos ecossistemas de pastagens.

O valor do índice de área foliar (IAF) nos estudos de crescimento de pastagens foi demonstrado por BROUGHAM (1956) em sua análise de rebrotação após desfolha. Em estudo prévio em 1955, Brougham, citado por BROUGHAM (1956), determinou a natureza da curva de rebrotação após desfolha em pastagens de trevo e azevém.

BROUGHAM (1957), ao mensurar a massa de forragem em intervalos regulares durante a rebrotação após o pastejo, descreveu uma trajetória sigmóide no tempo. Nessa curva, a inclinação maior representa maior taxa de crescimento e a inclinação menor uma taxa de crescimento mais lenta e, consequentemente, menor produção de forragem. O gráfico de Brougham mostra que, durante o ciclo de rebrotação, o acúmulo de forragem, no início, é relativamente lento, sendo então acelerado e posteriormente diminuído novamente à medida que o piquete aproxima-se do que se denomina produção teto, na qual a taxa de acúmulo de forragem é igual à zero.

Esses estudos deram origem aos primeiros modelos de manejo da desfolhação em pastagens baseados no conceito de índice de área foliar, os quais tinham como objetivo a otimização do balanço entre a interceptação e a conversão da radiação fotossinteticamente ativa incidente em biomassa vegetal. Esse conceito se baseava na análise de crescimento derivada do padrão sigmóide de acúmulo de forragem que ocorre durante a rebrotação após desfolhas severas e pouco freqüentes. Nessa condição, a otimização da produção seria obtida como resultado da manutenção do pasto na fase “linear” de crescimento, de modo que o IAF ótimo seria aquele no qual a máxima taxa instantânea de crescimento seria sustentada. Mais especificamente, a proposta era baseada em desfolhações freqüentes, mas pouco severas, de modo a evitar períodos de baixa interceptação de luz após cada evento de desfolhação. A intensidade de desfolhação deveria assegurar a manutenção de área foliar suficiente para interceptar completamente a luz incidente, de modo que o crescimento do pasto fosse mantido em taxas próximas do máximo.

Os estudos clássicos do Dr. Harry Stobbs, na Austrália, tiveram grande importância por evidenciarem as diferenças estruturais entre gramíneas de clima temperado e tropical, e como essas diferenças afetavam o comportamento ingestivo dos ruminantes em pastejo (STOBBS, 1973a, b, CHACON & STOBBS, 1976). Foi mostrado que, em pastagens de clima tropical, a densidade volumétrica e a relação folha/colmo teriam importância mais relevante na determinação do comportamento ingestivo dos animais quando comparado a pastagens de clima temperado. Na verdade, quando se analisa a estrutura do pasto, é importante salientar que tanto a estrutura vertical quanto a horizontal podem afetar o comportamento ingestivo dos ruminantes.

Na década de 70, houve o reconhecimento do conflito entre a condição do pasto necessária para obtenção de elevadas taxas de crescimento e aquela requerida para otimização do consumo animal e da produção utilizável de forragem, o que desencadeou uma série de estudos buscando conciliar esses dois objetivos de manejo.

Conforme analisaram GRANT et al. (1981), parte dessa confusão decorria das limitações trazidas pela maneira que se analisava o impacto dos métodos de pastejo sobre a produção de forragem, a qual se baseava apenas no acúmulo de forragem no pasto, desconsiderando-se os vários fluxos de tecidos associados. Segundo esses autores, somente a partir do final da década de 70 é que se percebeu que para predizer as conseqüências de diferentes estratégias de manejo seria necessário maior detalhamento do conhecimento sobre: a) o papel dos processos componentes do crescimento do pasto; b) os fatores que afetam esses processos; e c) a significância das adaptações morfológicas das plantas forrageiras. Em resumo, havia necessidade de conhecer melhor a ecofisiologia das plantas forrageiras sob pastejo. Adicionalmente, o estabelecimento de métodos de pastejo não pode ser baseado apenas nos fatores de rebrotação das plantas forrageiras (reservas orgânicas, área foliar remanescente e pontos de crescimento). É preciso considerar também os efeitos desses métodos sobre o consumo de forragem, desempenho, produtividade animal e, conseqüentemente, sobre a sustentabilidade do sistema.

Estudos em nível de planta são tão mais apropriados quanto menor a diversidade de espécies componentes da vegetação da pastagem. Daí, talvez, a maior ênfase dada a esse tipo de estudo pelos pesquisadores britânicos e neozelandeses, já que a grande maioria da produção animal em pastagens nesses países é realizada em pastos de azevém perene exclusivo ou consorciado com trevo branco.

Entretanto, acredita-se que métodos de pastejo baseados na condição do pasto não sejam impróprios para pastagens com composição botânica mais diversificada, uma vez que esse conceito parece ser bastante robusto e flexível, o que permitiria a sua adoção e utilização também em pastagens tropicais e subtropicais. Talvez a diferença seja a necessidade de ajuste nas metas de condição do pasto utilizadas ou almejadas, de modo a favorecer mais ou menos determinadas espécies como forma de manipular a composição botânica para manutenção da proporção desejável das espécies na pastagem. Esta é mais ou menos a proposta apresentada por SPAIN et al. (1985).

Além da flexibilidade e da capacidade de integrar diversas variáveis importantes tais como a estrutura do pasto e os mecanismos de rebrotação, métodos de pastejo definidos com base na condição do dossel forrageiro ainda apresentam como pontos positivos a objetividade e a maior facilidade para aplicação prática. Nos países de clima temperado, os resultados gerados pela pesquisa puderam ser aplicados diretamente aos sistemas de produção, gerando resultados imediatos em termos de otimização e melhoria do processo produtivo.

Contudo, não deve ser esquecido, como muitas vezes acontece, que a definição de métodos de pastejo deve estar em consonância com o perfil do sistema de produção, levando em consideração as diferentes escalas do manejo de pastagens e não apenas aquela de menor nível, o manejo do pastejo. De acordo com HUMPHREYS (1991), a adoção de métodos de pastejo que objetivam minimizar a senescência e aumentar o aproveitamento da forragem produzida, com maior valor nutritivo, enfrenta o problema da estacionalidade de produção, exceto em ambientes favoráveis ou em sistemas intensivos de produção baseados em irrigação e adubação para controlar o crescimento do pasto em função da demanda de alimentos do rebanho. Para esse autor australiano, a alternativa é manejar as pastagens como sendo o principal componente da dieta dos animais com altos níveis de utilização, e providenciar fontes alternativas de alimentos para tamponar a estacionalidade do suprimento de forragem comum nessas condições de produção em qualquer país do globo, especialmente no Brasil.

Apesar do conhecimento desses indicadores, ainda não há melhor definição de alguns pontos considerados chave em termos de estratégias de manejo de forma que se possa ter segurança na definição de qual seria o nível de utilização mais adequado ao potencial de produção das espécies forrageiras tropicais. Algumas perguntas ainda surgem, apesar de certa incerteza nas respostas, a saber: Qual o melhor momento de entrada e saída dos animais do pasto? Que estratégia deve ser adotada para se obter melhor população de plantas na área (perfilhamento)? Qual altura de pastejo deve ser adotada? Certamente, boa parte dessas respostas está sendo dada por meio da avaliação de características morfogênicas e estruturais das plantas forrageiras.

O conhecimento de variáveis como número total de folhas, número de folhas verdes, taxa de aparecimento de folhas, alongamento de folhas, duração de vida das folhas, alongamento de colmos e número de perfilhos, são ferramentas que surgem para auxiliar e até mesmo aumentar a precisão das referências até então utilizadas no estabelecimento de regras de manejo do pastejo. A partir da duração de vida das folhas ou do número de folhas verdes e taxa de aparecimento de folhas, por exemplo, já se busca melhor definição de descanso ou repouso de áreas de pastagens submetidas a pastejo rotacionado.

3. Avanços recentes da pesquisa com pastagens

HODGSON e Da SILVA (2002) chamaram atenção para a sustentabilidade em seu sentido restrito, com ênfase na manutenção da produtividade e da estabilidade como principais metas dos métodos de manejo. Esses autores enfatizaram que o progresso das interações planta/animal tem sido rápido nos últimos 20 anos, mas o acúmulo de conhecimento tem sido desigual.

Pelo que se pode notar, há, hoje, um volume de informações baseadas em trabalhos científicos que permite o entendimento da dinâmica do crescimento e do desenvolvimento das plantas forrageiras e sua importância para o acúmulo de matéria seca e utilização pelos animais. Nota-se, no entanto, que, do ponto de vista das espécies forrageiras tropicais, esse conhecimento é ainda incipiente. A velocidade de alongamento do colmo é um fato que precisa ser melhor estudado e incorporado aos conceitos de variáveis morfogênicas e estruturais (Figura 1); a relação lâmina/colmo, muito comum nos trabalhos científicos, ainda é pouco entendida na sua interpretação correta e na sua interação com as espécies tropicais; e o cálculo da relação lâmina/colmo é objeto também de questionamento, uma vez que estão se relacionando, na mesma unidade (peso), duas entidades com formas diferentes (SBRISSIA et al., 2001 e 2003).

*TAlF – taxa de alongamento foliar; TCrC – taxa de crescimento do colmo; TApF – taxa de aparecimento foliar; DVF – duração de vida da folha; RLC – relação lâmina/colmo; CFF – comprimento final da folha; DPP – densidade populacional de perfilhos; NFV – número de folhas vivas; IAF – índice de área foliar.

Figura 1 – Alterações nas características morfogênicas e estruturais do capim-marandu mantido em quatro alturas do dossel forrageiro por meio de lotação contínua (Adaptado de SBRISSIA, 2004).

HODGSON e Da SILVA (2002) apontaram algumas alternativas de manejo para espécies forrageiras tropicais dos gêneros Brachiaria , Panicum , Pennisetum e Cynodon baseadas no conceito de “sward target”, ou seja, alvo do manejo , utilizado em pastagens de clima temperado. Para isso, a elaboração de um banco de dados com informações sobre as características ecofisiológicas e o comportamento das plantas na pastagem tornou-se necessária. Indicadores como altura do dossel, massa de forragem total ou de folhas e IAF são alternativas para o desenvolvimento do conceito de alvo do manejo para tomadas de decisão em condições de campo. Esses autores, ao finalizarem a revisão, ressaltaram a importância do reconhecimento e da aplicação de princípios de comportamento de plantas e animais, os quais possam promover uma base estável de informações sobre o planejamento e monitoramento de estratégias de pastejo, mais que as conhecidas e arbitrárias estratégias tradicionalmente utilizadas, como a adoção de valores fixos e pré-estabelecidos de taxa de lotação, pressão de pastejo e duração do período de descanso no caso de pastejo rotacionado.

A pesquisa com plantas forrageiras em pastagens tem mudado rapidamente nos últimos 5 anos de forma a contemplar a necessidade reconhecidamente crescente de informações acerca do comportamento das respostas de plantas forrageiras e animais a variações em condições ou estrutura do dossel por meio de estratégias de pastejo (lotação contínua ou rotacionada). Nesse novo cenário, a morfogênese, a ecofisiologia e a ecologia do pastejo têm assumido papel cada vez mais importante, o que tem permitido o desenvolvimento de compreensão mais detalhada de processos e o estabelecimento de relações de causa e efeito mais precisas entre ações de manejo e respostas de produção das pastagens (Da SILVA, 2004a). Os resultados dos experimentos conduzidos segundo essa filosofia de pesquisa têm permitido o estabelecimento de metas claras de condição de pasto (alvos de manejo) capazes de permitir o ajuste e a definição de estratégias de manejo do pastejo eficientes e eficazes. Exemplo disso são as recomendações existentes para Brachiaria brizantha cv Marandu e Panicum maximum cv Mombaça e Tanzânia (Da SILVA, 2004b). Estas, além de permitirem que decisões de manejo sejam tomadas de maneira consistente e de conformidade com as necessidades e exigências das plantas forrageiras nas condições específicas em que se desenvolvem (localidade geográfica, época do ano e fertilidade do solo), asseguram a possibilidade de generalização das recomendações, tornando a prática de manejo do pastejo mais objetiva e reduzindo a inconsistência das respostas obtidas quando de sua implementação em condições de campo.

4. Considerações finais

A produção animal em pastagens é reconhecidamente a opção técnica que permite maior margem de flexibilidade na idealização e planejamento de sistemas de produção animal competitivos e economicamente viáveis, uma vez que os custos de produção são baixos e o produto animal produzido é tido como de melhor qualidade. O Brasil tem condição privilegiada, dada a extensão territorial ocupada por pastagens, o que indica um potencial produtivo muito grande que, para ser realizado, necessita de conhecimento e profissionalismo na execução da atividade pecuária. Nesse contexto de pastagens, a colheita eficiente da forragem produzida (em quantidade e qualidade) é fundamental e deveria ser considerada como prioridade no planejamento e condução desses sistemas de produção. A colheita da forragem em pastagens é feita por meio do pastejo, razão pela qual as práticas ou estratégias de manejo do pastejo são ferramentas extremamente poderosas, e deveriam receber atenção muito especial por parte de produtores, técnicos e pesquisadores. Manejar adequadamente o pastejo requer conhecimentos acerca de fatos e processos em comunidades de plantas e em animais na pastagem, além da capacidade de integração dessas informações, uma vez que na maioria das vezes os objetivos de maximização das respostas de plantas e animais individualmente são competitivos e antagônicos.

Dessa maneira, a mudança de paradigma e de filosofia de produção deve ser genuinamente reconhecida por todos, e ajustes nos modelos atuais de produção e pesquisa feitos de forma a propiciar condições para que o grande potencial pecuário do país seja realizado. Esse seja talvez o maior desafio a ser enfrentado: o rompimento com o tradicionalismo e empirismo e a adoção de uma postura mais profissional na atividade pecuária.

Referências Bibliográficas:

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SBRISSIA, A.F. Morfogênese, dinâmica do perfilhamento e do acúmulo de forragem em pastos de capim-Marandu sob lotação contínua. Tese (Doutorado em Agronomia – Ciência Animal e Pastagens), Piracicaba, ESALQ, 2004. Orientador: Prof. Dr. Sila Carneiro da Silva .

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Texto publicado nos Anais do I Simpósio sobre Desafios e Novas Tecnologias na Bovinocultura de Corte (SIMBOI), realizado em Brasília, DF, de 02 a 03 de abril de 2005, e organizado pelo Departamento de Zootecnia da UPIS, Faculdades Integradas.

Professor Associado do Departamento de Zootecnia da USP/ESALQ – scdsilva@esalq.usp.br

Professor Titular do Departamento de Zootecnia da UFV – domicio@ufv.br
Aluna do curso de doutorado em Zootecnia da UFV - demontagner@yahoo.com.br 


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